Este não foi um livro fácil de ler. Nem todos o podem ser, mas cada um acaba por valer a pena e por nos ensinar uma lição valiosa. Este ensinou-me, literalmente, a não julgar um livro pelos primeiros capítulos (nem pela capa)!
Peguei nele como sugestão de leitura feita pelo meu marido. Ávido leitor, de temas que pouco ou nada me dizem, por isso existe uma clara distinção entre os meus livros e os dele, no que toca ao espaço ocupado nas estantes lá de casa.
Este era suposto ser qualquer coisa de espetacular, por isso já ia com ideia feita de que era isso que ia encontrar. Outra lição valiosa, não deixar que as opiniões dos outros se espelhem em nós, porque nem todos podemos gostar do amarelo. E não faz mal.
Posto isto, vamos ao que interessa: A mãe de Gorki!
O livro traz uma contextualização de quem foi o escritor, de onde vem, o que fez, e onde acabou os seus dias. Descobri que Máximo Gorki é, na verdade, um Alberto Caeiro soviético, que nasceu das mãos (e mente) do escritor Alexei Maximovitch, o verdadeiro Fernando Pessoa russo!
“A Mãe” surgiu em 1906 e desenrrola-se durante uma época que foi especialmente dura para o proletariado. Não havia direitos, apenas duros deveres, e cada um cumpria a sua parte, religiosamente: os homens, trabalhando arduamente durante o dia e embebedando-se todas as noites; as mulheres enquanto donas de casa, servindo de criadas e saco de pancada às frustações do homem operário. E a vida tomava o seu curso, como sempre tinha sido, como era suposto ser. Ou será que não?
A princípio a história parece focada num operário fabril, bebâdo de profissão. Um homem horroroso e hostil, que gastava toda a energia que lhe restava ao fim de um dia de trabalho, a espancar a mulher e o filho. Um dia, este fez-lhe frente e avisou-o que era a última vez que lhe levantava a mão. E foi. Viveu mais dois anos, miserável, com o cão como única companhia. Ok, claramente não é o nosso protagonista. Aparece em pouco mais de um capítulo, mas é o suficiente para lhe tomar um ódio de estimação. Ufa, que alívio!
Continuo a ler, ainda sem estar totalmente convencida de que este livro é para mim. Algo me diz para continuar a ler, por isso, tiro um café e volto à carga.
Começamos a ver a perspetiva de Pelagia, mulher espancada e diariamente humilhada pelo traste que eu achava que era a personagem principal. Começo a querer saber o que lhe vai acontecer agora que está livre do pesadelo. Pelagia passa a viver em torno do filho, Pavel, que vê crescer cada vez mais fechado em copas. Não se falam muito, está sempre ausente e quando chega da fábrica, é como se o espírito estivesse noutro lado. Ainda assim, com o passar do tempo, vemos a transformação em Pavel, que começa a varrer a cozinha e a ajudar a mãe com tarefas simples. Começamos a vê-lo ler. E lê cada vez mais tempo e mais afincadamente. E começo a querer descobrir o que andará Pavel a tramar.
Começam reuniões noturnas na sala de Pelagia e, rapidamente, a casa se torna demasiado pequena para tanta gente. A adesão é tanta que é criado um jornal com as últimas novidades, distribuido, em segredo, com todos os riscos que isso acarreta. Com o tempo, a palavra chega a outras aldeias e cidades, e o socialismo começa a espalhar-se como a peste negra.
A meio percebemos que Pavel é a faísca para um futuro melhor, mas Pelagia é a chave para que esse futuro seja assegurado. E a viagem torna-se alucinante, com rusgas, encarceramentos e muitas aventuras em que conhece gente culta e instruida disposta a ajudar a classe operária.
No final, é claro que, apesar de Pavel ser efetivamente uma forte personagem, com uma missão importante, é Pelagia que fica a segurar as pontas, a atar os nós, a assegurar que todos os planos são levados a cabo e executados com sucesso. E se o socialismo foi ganhando terreno, devemo-lo, em grande parte, à Mãe!
Resumindo e baralhando, “A Mãe” de Gorki é um romance poderoso e comovente que oferece um olhar profundo sobre a luta revolucionária e a transformação pessoal. Tem certamente personagens memoráveis, temas universais e um estilo que, apesar não parecer ao início, acaba por se tornar bastante envolvente. Gorki cria uma obra-prima que ressoa tanto no contexto histórico como na experiência humana contemporânea. E para quem se interessa (que não é o meu caso) por literatura russa, movimentos sociais ou histórias de transformação pessoal, “A Mãe” é, definitivamente uma leitura indispensável.
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